segunda-feira, 26 de março de 2012


 O Poema de Décio Pignatari

Beba coca cola 

Babe cola

beba coca

babe cola caco
caco
cola
cloaca
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A tradução brasileira de 1941 fica próxima do jogo rítmico e sonoro apresentado pelo slogan em língua inglesa: drink Cola-Cola. Obedece ao funcionamento de um verso, do ponto de vista do ritmo, das sílabas, da economia e repetição das poucas consoantes e vogais nele existentes. Esse jogo é um achado verbal.

A partir deste verso, explorando os recursos verbo-visuais do slogan, o poema começa a mostrar o contrário do que a propaganda apregoava há décadas. Jogando com a invensão das sílabas e a separação da palavra composta, o poema faz o verso "beber" transformar-se em "babar"; a separação entre "coca" e "cola" explicita o diminutivo de droga, ligada a cola, visgo, vício.

Pignatari fez do slogan um poema, expondo visivelmente qualidades não previstas pela publicidade. Em 1957, Pignatari usou especifidades do enunciado publicitário para realizar um poema verbo-voco-visual, verdadeira antipropaganda, hoje tão famosa quanto ao slogan. O poema saiu do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, no Rio, em 28/04/1957. O que era slogan passa a primeiro verso do poema, sem que se troque uma só palavra. E os demais versos se escarregam dos desdobramentos desse primeiro verso/slogan.

Em lugar da integridade estética da garrafa dos cartazes, sempre suada, refrescante, convidativa, surge o caco, o resto, o resíduo. Mesmo sem explorar inteiramente as possibilidades de leitura de baixo para cima e a cacofonia que se instala pelo jogo sonoro do conjunto, percebe-se que o leitor é tirado da condição de consumidor para passar à de leitor levado a enxergar o avesso do slogan.

Aqui o ritmo que envolve "beber" e "babar", da mesma forma imperativa que o slogan, comanda um movimento compulsivo, de dentro para fora, que culmina com o "caco cola", difícil de pronunciar, literalmente a aderência do resíduo, o avesso da suavidade.

Em lugar da ingestão agradável sugerida pelo slogan, associado a lindas bocas por onde entra o líquido saudável, o poema, pelo jogo verbo-visual e pelas inversões, leva ao polo oposto a boca, à "cloaca", assim definida nos dicionários: fossa, canal ou cano destinado a receber dejeções; tudo o que é imundo, que tem mau cheiro. E o leitor, em lugar de hum... provocado pelo slogan e pelas imagens a ele associadas, provavelmente emitirá um eca! O poema apropria-se critica e humoradamente um enunciado publicitário, desconstruindo os elementos que promovem o consumo.

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